Pensando uma agenda de pesquisa na atenção primária à saúde – um olhar a partir da Residência Multiprofissional em Saúde
A pesquisa científica é um importante meio de avanço do conhecimento na sociedade atual, proporcionando melhorias na vida das pessoas. As vacinas que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, tem permitido a erradicação ou o controle de muitas doenças. No entanto, além desses avanços, o Coletivo da Residência em Saúde da Família da UFSC discutiu, em um Seminário de Pesquisa, a necessidade de avançar para uma agenda de pesquisa que contemple as necessidades dos territórios e, mais importante, das pessoas que vivem nesses espaços.
A partir da discussão com representantes da gestão municipal em saúde, da docência e da comunidade, este texto reflete as discussões e apontamentos deste coletivo para uma agenda de pesquisas em saúde. Três dimensões ganharam notoriedade: o poder do território e da comunidade, a gestão de recursos e a avaliação dos processos de trabalho.
Ressaltou-se a importância de as pesquisas em saúde respeitarem as necessidades locais, considerando o usuário como protagonista na saúde, dado que a participação social é um dos princípios do SUS. Outro ponto crucial diz respeito ao acesso à saúde, que apresenta um desequilíbrio entre a expansão do território e a oferta de serviços. A pesquisa científica deve prever este cenário, entendendo o contexto histórico de ocupação do espaço e reconhecendo o território e a população, fatores que sobrecarregam os serviços de saúde.
A comunidade tem expectativas na resolução de problemas relacionados ao acesso, qualidade e recursos do atendimento em saúde, baseando-se na investigação científica. O Conselho Local de Saúde é visto como uma potencialidade que deve ser inserida no planejamento, execução e avaliação de uma pesquisa. O pesquisador poderia dialogar com os usuários, investigando junto a eles o que poderia ser feito para melhorar a atenção nos espaços de inserção da Atenção Primária à Saúde.
Vale destacar, neste contexto, a territorialização, processo de identificação de grupos, famílias e indivíduos de um território adscrito, sendo uma etapa fundamental para o planejamento e implantação de ações. Aponta-se que, por vezes, este processo fica distante do pesquisador e da própria equipe de saúde. O desconhecimento do território distancia a pesquisa do usuário, fragilizando a promoção da saúde e a efetividade das intervenções em saúde.
Outro tema pertinente é a gestão dos recursos, já apontado como um gargalo importante, especialmente no contexto de precarização do SUS no país. Destacam-se as práticas integrativas e complementares (como terapia comunitária, hortoterapia, auriculoterapia, entre outras) como alternativas para os profissionais de saúde, devendo também ser evidenciadas nas pesquisas científicas. O uso de tecnologias é outro ponto chave a ser utilizado na saúde. Muitas perguntas devem ser feitas no meio acadêmico sobre a gestão de recursos: quem são os profissionais de saúde? Qual a melhor forma de exercerem suas funções? Qual sua capacidade de produção de qualidade? Qual a demanda da população?
Por fim, destaca-se a avaliação dos processos de trabalho, que encontra insuficientes ferramentas de análise dos diferentes aspectos, como resolutividade, capacidade de atendimento e satisfação do usuário. A falta de uma devolutiva das pesquisas realizadas impede que as descobertas sejam colocadas em prática pela gestão e pelos profissionais, melhorando o processo de trabalho. Esta avaliação deve contemplar todas as instâncias do serviço, utilizando os indicadores de saúde já existentes e discutindo-os em equipe.
O contexto científico, por vezes, encontra-se desvinculado da realidade e deveria ser visto através das lacunas do serviço, visando a promoção de intervenções. O meio científico deve contribuir com a organização e construção dos processos de trabalho, entendendo os desafios dos diferentes espaços. A interdisciplinaridade neste processo é fundamental, visando explorar e ampliar as potencialidades das diferentes áreas. Outro tema enfatizado foi a intersetorialidade, em particular na dificuldade de integração dos diferentes espaços de saúde, especialmente nas áreas mais vulneráveis. Esta integração é válida para pesquisa, ensino e extensão.
Por fim, ressalta-se a existência de documentos do Ministério da Saúde e da Secretaria Municipal de Florianópolis, que levantam temas relevantes como meio ambiente, ambiente de trabalho, formação de trabalhadores, interprofissionalidade, entre outros. Dado o cenário de desigualdades sociais, econômicas e ambientais decorrentes de problemas estruturais do país, a pesquisa científica na atenção primária à saúde deve caminhar ao lado de uma ciência cidadã que valorize os saberes e conhecimentos das pessoas nos territórios.
Este texto foi elaborado pelo coletivo da Residência Multiprofissional em Saúde, durante o Seminário Integrado da Disciplina de Trabalho de Conclusão de Residência, no dia 30 de abril de 2024.